quinta-feira, 22 de maio de 2008

Minority Report - A Nova Lei



(Minority Report, EUA, 2002)

Gênero: Ficção
Duração: 145 min
Distribuidora: Fox
Produtora(s): 20th Century Fox, Amblin Entertainment, Blue Tulip, Cruise-Wagner Productions, DreamWorks SKG
Diretor: Steven Spielberg

Roteiristas: Scott Frank, Jon Cohen

Elenco:Tom Cruise, Colin Farrell, Max von Sydow, Samantha Morton, Steve Harris, Neal McDonough, Patrick Kilpatrick, Jessica Capshaw, Richard Coca, Mike Binder, Kirk B.R. Woller, Klea Scott, Daniel London, Frank Grillo, Anna Maria Horsford, Sarah Simmons, Eugene Osment, James Henderson, Vene L. Arcoraci, Erica Ford, Keith Flippen, Nathan Taylor, Radmar Agana Jao, Karina Logue, Elizabeth Anne Smith, Victoria Kelleher, Jim Rash, Stephen Ramsey, Tom Choi, Tom Whitenight, Billy Morts, Michael Dickman, Matthew Dickman, Lois Smith, Tim Blake Nelson, George Wallace, Ann Ryerson, Kathryn Morris, Spencer Treat Clark, Tyler Patrick Jones, Dominic Scott Kay, Brennen Means, Arye Gross, Ashley Crow, Joel Gretsch, Jessica Harper, Bertell Lawrence, Jason Antoon, William Mesnik, Severin Wunderman, Max Trumpower, Allie Raye, Rocael Rueda Sr., Nicholas Edwin Barb, Catfish Bates, Peter Stormare, Caroline Lagerfelt, Danny Lopes, Vanessa Cedotal, Katy Boyer, Adrianna Kamosa, Elizabeth Kamosa, Laurel Kamosa, Kari Gordon, Raquel Gordon, Fiona Hale, Pamela Roberts, Clement Blake, Jerry Perchesky, Victor Raider-Wexler, Nancy Linehan Charles, Nadia Axakowsky, Tony Hill, Dude Walker, Drakeel Burns, William Mapother, Paul Wasilewski, Morgan Hasson, Andrew Sandler, Kimiko Gelman, Caitlin Mao, Bonnie Morgan, Kathi Copeland, Lucille M. Oliver, Ana Maria Quintana, Gene Wheeler, Payman Kayvanfar, Tonya Ivey, David Stifel, Kurt Sinclair, Rebecca Ritz, Beverly Morgan, John Bennett, Maureen Dunn, Ron Ulstad, Blake Bashoff, David Doty, Gina Gallego, Anne Judson-Yager, Meredith Monroe, Benita Krista Nall, Shannon O'Hurley, Jorge Pallo, Elizabeth Payne, Ethan Sherman, Jarah, Miles Dinsmoor, Don Austin, Ramona BadescuKeith Campbell, Robert Randolph Caton, Cameron Crowe, Cameron Diaz, Bourke Floyd, Scott Frank, Steven Hack, David Hornsby, Riley Schmidt, Christian Taylor, Anne Judson Yagher



Fotógrafo: Janusz Kaminski

Montagem: Michael Kahn

1. Um filme “dialógico”
Steven Spielberg não dá ponto sem nó. Quando não faz um filme apenas para entretenimento, se envereda pelas adaptações inteligentes. Aí a fome com a vontade de comer se unem e ganhamos um filme a altura de um Minority Report, ou seja, entretenimento mais inteligência. Não à toa. O filme foi inspirado no conto de Philip Dick, o mesmo autor de Blade Runner – O caçador de andróides.
Basicamente a narrativa gira em redor de uma questão central: O que é a liberdade? Desdobrada, outras perguntas surgem: Somos predestinados ou temos livre arbítrio? Até onde vai nossa privacidade quando a segurança exige um “Grande Irmão” (Big Brother – termo cunhado pelo escritor George Orwell em seu livro “1984”)? Somos culpados por nossas faltas ou é uma questão de sobrevivência?
Outros filmes abordaram ao seu modo a mesma questão. Mais recentemente Matrix Reloaded mostra Neo a se perguntar se ele é livre para escolher ou não, o que em si é uma contradição, pois ele mesmo é denominado de “o Predestinado”.
Mais antigo, mas não menos inteligente, o filme O Show de Truman, uma espécie de “Big Brother” que alimenta um sistema de entretenimento, salienta como a liberdade pode ser falsa quando vigiada e explorada. Aliás, esse filme é homenageado nas cenas finais de Matrix Reloaded quando Neo se encontra com o “Grande Arquiteto”, o inventor da Matrix.
Um pouco mais distante, mas inesquecível, temos Forest Gump – O contador de histórias. O filme todo aponta para a tensão que existe no decorrer da vida entre o destino e a liberdade, entre o que já está pré-determinado e o que pode ser escolhido. Por isso o filme começa com uma pena voando e pousando nos pés de Gump, e termina com a mesma pena alçando vôo e saindo dos pés de Gump. A pena é metáfora de nós mesmos.
Não seria difícil estabelecer uma lista infindável de filmes que poderiam dialogar com Minority Report, mas creio ser suficiente as grandezas que citamos acima para percebermos o quanto os filmes são dialógicos, para usar aqui uma expressão de Mikhail Bakhtin.
Na verdade Minority Report é um filme de teses, de hipóteses e perguntas sobre a vida, sendo que algumas são respondidas, outras são deixadas no ar; o espectador que faça a sua leitura. Pois é nesse vácuo que eu entro, o que não impede que o leitor também o faça.
Sem precisar gastar muito tempo e espaço para contar a história do filme, algo que o leitor irá executar assistindo-o, apenas cito que Minority Report se passa no ano 2054 e é sobre um departamento “pré-crime” que se utiliza de um trio de médiums chamados de Precognoscentes (Pré-Cogs), mutantes que vivem numa piscina e que tem visões dos crimes antes que eles aconteçam. Uma polícia especializada tenta desvendar as pistas e impedir o fato, sendo que John Anderton (Tom Cruise) é o chefe das missões. Alia-se a isso um imaginário tecnológico de um possível futuro, eficientemente elaborado pelos efeitos especiais da ILM (Industrial Light & Magic) de George Lucas.
Ingredientes no caldeirão, Minority Report dá bastante pano para manga, o suficiente para observarmos e analisarmos pelo menos duas dimensões que considero importantes na narrativa: religião e filosofia.

2. Alguns elementos religiosos
A tentação é forte para alguém que trabalha com religião como eu, e como a carne é fraca, relaxo e me esbaldo nas visões e devaneios de religião que pude extrair do filme. Desse modo, já logo de início, separo o joio do trigo e faço a seguintes considerações:
2.1. O local onde os Pré-Cogs ficam é chamado de templo e ninguém, nem os policiais, podem entrar lá. Só pessoas autorizadas pelo sistema pré-crime entram além de John Anderton, o chefe das missões (um sacerdote?).
2.2. Parece loucura, mas Anderton passa pelo mesmo processo pelo qual passou o apóstolo São Paulo. Em Atos e nas epístolas do Novo Testamento (como Coríntios e Gálatas), São Paulo é descrito como um crente no sistema legal e religioso dos fariseus, tendo perseguido zelosamente os cristãos. Anderton também crê no sistema legal do pré-crime que o leva a perseguir inocentes que nenhum crime ainda cometeram. Porém, muito semelhante ao que aconteceu com São Paulo, Anderton se “converte” e muda de identidade. Isso fica evidente quando o “chefe” faz uma cirurgia para “trocar” de olhos. Seria uma alusão disfarçada da cegueira temporária que o apóstolo Paulo sofreu assim que mudou de identidade? Nesse caso, "trocar de olhos", tanto em Anderton, como em Paulo, significaria "trocar de visão de vida" ou de cosmovisão.
2.3. A aura sagrada que envolve o sistema é tal, que ela não passa desapercebida nem mesmo pelo agente federal Danny Witwer (Colin Farrell de A Guerra de Hart e O Demolidor), que afirma ter feito algum tempo de seminário para chegar à essa conclusão. Chega a dizer que o departamento deve considerar os Pré-Cogs algo mais que humanos (divinos?).
2.4. As suspeitas de Witwer são confirmadas ao longo do filme, pois os Pré-Cogs são endeusados e, de certa forma, compõe uma trindade, que depois se descobre, é imperfeita. Mas até lá, os mutantes serão vistos e reverenciados como divindades. Exemplo engraçado disso no filme é a atitude de Rufus, que se ajoelha diante de Agatha (Samantha Morton), a pré-cog principal, e lhe diz: “Jesus Cristo”, e em seguida se confessa. Rufus ganha dinheiro e negocia com o entretenimento virtual. Possui todo tipo de parafernália tecnológica que possa ajudar Anderton em sua busca por respostas no possível “relatório discordante” (assim é traduzido “Minority Report”) ainda intacto em Agatha.
2.5. Como todo sistema religioso, esse também possui a sua utopia, o seu desejo por um mundo perfeito e puro. Além disso, para que esse oráculo futurístico se cumpra, existe a necessidade de endeusar o sistema. Várias frases nesse sentido são repetidas: “o pré-crime é perfeito...”; “imagine um mundo sem assassinos...”; “se há falha, ela é humana...”. A própria mídia nas ruas e estabelecimentos se parecem muito com as propagandas institucionais que conhecemos das grandes associações religiosas e totalitaristas.
2.6. Os condenados estão sob a zeladoria de um carcereiro (Tim Blake Nelson) que se entretém tocando hinos religiosos em seu órgão. Inclusive, no final do filme, quando a ex-esposa de Anderton, Kathryn Morris (que também fez I. A. Inteligência Artificial) entra para salvar o seu ex-marido, o carcereiro está tocando “Jesus, Alegria dos Homens” de Johann Sebastian Bach. Poucos minutos atrás, quando Anderton chegou à prisão, já condenado, o mesmo carcereiro diz: “Agora você faz parte do meu ‘rebanho’ John”.
2.7. John Anderton é o único que “pode ver”. Essa frase é repetida por Agatha à ele várias vezes. Ou seja, ele é o único que sabe o que é sofrer a perda de alguém que se ama muito, assim como Agatha que perdeu sua mãe. Ele entende exatamente como é a dor de Agatha. Seria essa uma menção messiânica, o que carrega as dores do mundo, o que compreende o sofrimento humano?

3. Alguns elementos filosóficos
Os elementos religiosos estão bastante fragmentados e espalhados por todo o filme. Por outro lado, os elementos filosóficos, apesar de também espalhados, estão melhor pontuados. Pode-se ver o encadeamento de dois temas principais do começo ao fim do filme.

3.1. “Big Brother” – O olho que tudo vê
3.1.1. O olhar, o olho, as imagens, o vigiar, parecem ser algumas das obsessões do roteiro. A começar pelo próprio futuro criado pelo filme onde todos sem exceção são identificados pela leitura dos olhos. As “aranhas-robôs”, por exemplo, identificam cada habitante pelos olhos.
3.1.2. Uma das mensagens filosóficas do filme com essa abordagem é clara: não existe sistema totalitário que resista sem um bom controle das individualidades, sem que os indivíduos sejam vigiados. Logo, impossível não retornarmos ao que dissemos de forma passageira, “1984” de George Orwell é visita obrigatória. Foi ele quem cunhou a expressão “Big Brother” (Grande Irmão) ou aquele que tudo vê, que tem os poderes, como Deus, da onisciência e da onipresença. O próprio autor do romance disse certa vez: “Tudo de sério que escrevi desde 1936 foi escrito com a intenção direta ou indireta de atacar o totalitarismo...”
3.1.3. Isso significa que Minority Report apenas refina as idéias de Orwell, utilizadas sem culpa ou vergonha por outros filmes e teses. Atualmente, inclusive, não se fala da tecnologia de segurança por câmeras de vídeo (lojas, elevadores, ruas etc) sem tocar nas intuições de Orwell. Tecnologia que no filme é abundante.
3.1.4. Hilário mas ao mesmo tempo sério, em uma cena, Anderton compra droga de um cego que lhe diz um velho ditado: “Em terra de cego, quem tem um olho é rei.” Pura gague, pois na verdade nessa terra onde todos tem olhos, quem não tem olhos é rei. Isso é confirmado quando o traficante surge das sombras do beco e mostra-lhe o rosto: não tem os dois olhos, pois arrancou-os. Mais fácil assim para não ser identificado. Seria uma sugestão à Anderton que acaba realmente “trocando” de olhos para não ser controlado como os outros e assim encontrar as suas próprias respostas?

3.2. Corrida para a sobrevivência
3.2.1. Correr parece ser uma das imagens e uma das palavras mais exploradas no filme. Exemplo vemos nas corridas de Anderton por entre os becos da cidade, que causa suspeitas no chefão do pré-crime, Lamar (Max Von Sydow de O Sétimo Selo; O Exorcista e Amor Além da Vida). Em uma das cenas, depois de correr e se encontrar com o traficante que lhe mostra a face, Anderton chega em casa e assiste a imagem de seu filho desaparecido. Numa delas o filho diz: “Preciso continuar correndo...” Anderton repete a frase do filho e o faz outras vezes na duração do filme.
3.2.2. Anderton, ao tentar correr dos seus ex-colegas de pré-crime, diz: “Todos fogem...” Essa frase é autenticada pela cena em que Anderton se encontra com a inventora ou mãe do pré-crime, Dra Hinneman (Lois Smith que esteve em Juventude Transviada com James Dean). Nessa cena a Doutora lhe afirma: “Cada criatura está interessada em uma só coisa: na sobrevivência.” Prova isso apertando entre a palma da mão uma planta que, vendo-se em perigo, lhe fere a mão na tentativa de fugir pela sobrevivência.
3.2.3. O senso de sobrevivência e defesa da vida são mais fortes do que as regras. O desejo, os sentimentos mais primitivos nos impulsionam à quebrar as leis, a fugir do sistema, a negar e trair a fidelidade do grupo. O sistema impede a corrida, o fluir natural dos desejos humanos, impede a escolha.
3.2.4. Independente do sistema pré-crime, ninguém é inocente quando se pode fazer escolhas. A “perversão” faz parte da natureza humana e, por mais que ela seja punida ou proibida, ela sempre se manifestará de um jeito ou de outro. O lado “animalesco” do homem não pode ser escondido, vetado, encoberto. Quanto mais isso é implementado, mais ele aparece. Talvez seja por isso que na cidadela tecnológica de Rufus, onde todo desejo pode ser satisfeito, pois isso não é oferecido pelo sistema rígido do pré-crime, um cidadão deseja “matar o seu chefe”. Rufus insiste com outras diversões, mas o cidadão não larga sua vingança: matar o chefe.
3.2.5. O filme não faz apologia da violência ou da liberdade sem controle, mas deixa claro que, seja de um lado ou do outro, a coisa descamba. Controle demais causa desastres e injustiça, liberdade demais causa a possibilidade de satisfazer perversões e anarquizar a sociedade. Logo, não se sabe mais quem carrega a justiça, se a polícia ou o bandido. Veja isso na cena em que Anderton está se recuperando de sua cirurgia nos olhos; na tela ao fundo é mostrada a palavra “cops” (tiras ou policiais), mas a música de fundo é “bad boys”. Em outra cena a Dra Hinneman conta à Anderton que os pré-cogs ganharam seus dons de prever os crimes graças à ação das drogas no organismo de seus pais. De novo não sabemos quem é bandido ou mocinho. A vida depende dos dois? Somos todos ao mesmo tempo as duas coisas? O mal é necessário?
3.2.6. Agatha diz à Anderton no final do filme, quando está prestes a ser pego: “Corra...”. Diz à sua mãe, antes de vê-la assassinada: “Corra...”. Diz à Anderton que seu filho “corre tão depressa, como o pai...” Possivelmente o filho que ele ainda terá. Enfim, Agatha prevê algo mais importante que um relatório pré-crime, prevê que, para além do crime, a vida precisa ser respeitada diante da ameaça à sobrevivência. A melhor forma de fazer isso: correr...
3.2.7. Em outra cena para se rir muito, Spielberg junta o tema dos olhos com o da corrida. Anderton, depois de ter “trocado” de olhos por uma cirurgia, leva seus olhos originais em um saco plástico para entrar no templo dos pré-cogs, já que a leitura de seus olhos lhe permitirão o livre acesso. Ao retirar os olhos do saco plástico, eles caem e escorregam pela descida do corredor que dá para o templo. Anderton corre atrás de seus olhos e os alcança. Salva apenas um deles, mas é o bastante para submeter o globo ocular à leitura da porta automática. Moral: A corrida pela sobrevivência usa todas as armas, inclusive as que querem destruí-la.

4. Estamos condenados à liberdade
Estamos condenados à liberdade. Paradoxal, mas resume a filosofia de Jean-Paul Sartre, que por sua vez indica uma das reflexões que podemos fazer ao assistir Minority Report. Possivelmente o seu existencialismo dê o ponto com nó de Spielberg e nos faça compreender que a redução da vida à um sistema ou à liberdade jamais fará do homem um ser feliz. É uma questão de escolha se inventamos regras ou fugimos delas. Melhor seria se um Deus rígido ou uma sociedade limitada nos dessem todas as diretrizes para a nossa felicidade, mas é puro auto-engano esperar isso. Ou, talvez melhor seria liberdade plena, sem restrições, de forma a respondermos por nossos próprios atos. O problema: a maioria das vezes não sabemos exatamente para onde vai dar esse caminho. Voltamos assim ao ponto inicial: estamos condenados à liberdade. Com regras ou sem elas, com sistema ou sem ele, é uma questão de escolha.
Estamos destinados à liberdade, mas à uma liberdade feita de limitações, de fragmentos, de memórias espalhadas, de um passado meio incerto. Como Anderton, podemos escolher não atirar e matar. Mas e se o sistema já escolheu isso por você, e se ele já lhe preparou uma armadilha? Será isso possível, ou realmente somos donos do nosso nariz?
Anderton orquestra e interpreta apenas fragmentos de um futuro aparentemente exato quando manipula as imagens que tem diante dele antes de ir atrás do seu criminoso. Cedo descobre que não há inocentes, que todos são criminosos e precisam correr para sobreviver. Como nós, Anderton percebe que a liberdade é relativa, que no fundo a sua vida e a nossa são construídas sobre fragmentos, sobre desejos e paixões incertas, sobre infindáveis incertezas que vamos resolvendo aos poucos até que as coisas se pareçam minimamente suportáveis.
Pareço muito pessimista? Está sentindo náuseas? Náuseas? Isso me faz lembrar novamente Sartre. Assista então a um filmezinho ordinário como "Retratos de uma Obsessão"; pouca bilheteria, filme esquecido, mas interessante. A obsessão do protagonista é colecionar fotos de uma família. Os retalhos, os fragmentos daquela família, a memória espalhada, faz com que ele se sinta parte dela. Simula para sobreviver. Ou, se quiser, complete o tema com outro filme “fragmentado” como "Amnésia". Nele você verá que sem memória a única coisa que sobra é o presente, artifício catalisador que pode levar qualquer um à beira da loucura. Já pensou? Viver apenas o dia que Deus deu? Não, não queremos essa liberdade, queremos a liberdade que se baseia na invenção de um passado e de um futuro, incertos, retalhados, mas que nos dão a ilusão de que precisamos.
Quem somos afinal? Nós escolhemos as coisas ou elas nos escolhem? Como dizia o pai do poderoso Lamar do pré-crime: “Não se escolhe as coisas em que se acredita, elas escolhem você.”
Para não dizer que eu só citei filmes, aí vai uma resposta (ou será mais uma pergunta?) de um escritor que viveu na pele e escreveu na forma de contos as idiossincrasias do ser humano: “Eu vivia como todo mundo, contemplando a vida com os olhos abertos e cegos do homem, sem me espantar e sem compreender. Vivia como vivem os animais, como vivemos todos, executando todas as funções da existência, examinando e acreditando ver, acreditando saber, acreditando conhecer o que me cercava, quando, um dia, percebi que tudo é falso.” (Guy de Maupassant, “Carta de um louco”, Contos fantásticos)
Só nos resta, como a Anderton, esperar a bola da vez. Será que nela estará escrito o meu ou o seu nome?

06/2003

Um comentário:

Sillas disse...

Excelente