quarta-feira, 9 de março de 2011

O Discurso do Rei


A cada ano que passa a festa do Oscar está mais "enlatada", artificial, cronometrada até nas emoções. Sejamos claros: chata!
Em outros tempos já me emocionei muito, já ri muito e vi homenagens em noites mágicas. Não sei se eu estou mudando com a idade ou os burocratas é que tornaram esse momento em mais um intervalo comercial, pois essa é a minha sensação. Talvez as duas coisas.
Em todo caso, esse foi o ano em que atores e atrizes brilharam mais que os filmes que protagonizaram. Nenhum deles trouxe alguma novidade. Talvez o único que teria essa vocação, seria "A Origem", mas se perdeu em um roteiro um pouco confuso e cheio de lacunas. Por outro lado, concordo, deveria ter levado o Oscar de trilha. Zimmer é repetitivo (apesar de adorar...), mas dessa vez inovou e já tem gente copiando.
Filmes como "O Vencedor" e 'Discurso do Rei" já vimos uns 500 iguais.
Gostei de ver "Toy Story" levar a canção, não tanto pela animação, já em sua terceira edição, mas por causa do compositor, que é um gênio. A canção de "127 horas" é bela.
Torci para "Day & Night" para curta de animação, mas não deu.
"A Rede Social" perdeu fôlego nesse Oscar por conta do público. Interessante esse filme, mas deveria se chamar "Intriga Social"; a "rede" fica por conta de um produto tipicamente norte-americano.
Acho C. Bale um falastrão, mas nesse filme ("O Vencedor") ele estava bem (a outra vez foi em "Império do Sol" e só).
"Cisne Negro", como todo filme de Aronofsky é "papo cabeça": gosto, mas as vezes cança. Outro "cabeça" é "Bravura Indômita". Pena que não levou nada. Mas, já sabemos, com os irmãos Cohen é entenda e adore ou não entenda e odeie.
No geral, não esperava tantos Oscar para "A Origem", se bem que foram técnicos. Outro que foi técnico e que me agrada é "Alice", confirmando o universo estético de Burton.
Mas uma pergunta ficou em minha cuca ao fim da festa: Como um filme tão comum como "O Discurso do rei" foi um dos mais indicados e recebeu os mais importantes Oscar? Um roteiro bem amarrado tendo a Segunda Guerra como pano de fundo já está bem manjado em Hollywood. É verdade, eu gosto de filmes assim, e por isso mesmo poderia citar uns 500 como disse. Mas isso não responde à minha pergunta, pois isso é um gosto pessoal.
Fiquei pensando e talvez tenha algumas pistas:
1. Se esse filme fosse feito em outros tempos, possivelmente nem teria sido lembrado. Acredito mesmo que a pobreza de bons roteiros em Hollywood atualmente tenha colaborado para as suas indicações.
2. Nos últimos anos (duas décadas?) esse não é o primeiro filme de origem britânica que se destaca. Será que eles se preocupam mais em contar boas histórias do que bons efeitos visuais? É o que parece.
3. Gosto tanto de literatura quanto de cinema. Pensando por essa perspectiva, se pudesse comparar, diria que "O Discurso do Rei" não é um romance grandioso (como seria "Desejo e Reparação", por exemplo), mas a sua leitura é tremendamente agradável, sem grandes reviravoltas, só o que é necessário. Por isso mesmo parece tão real, tão cotidiano, tão próximo de todos nós. Sim, o Rei George retratado nesse filme chega muito próximo do que é um ser humano qualquer e, consequentemente, acabamos por torcer por ele como se fosse um parente próximo. Quase tudo no filme foi realizado sem exageros, expurgando aquelas cenas piegas a que estamos tão acostumados. Um roteiro sem altos e baixos, contando uma história crível, que conhece o repouso; foge das hiperinterpretações. Gosto disso.
4. Sou fã de Rush, mas Firth conseguiu algo que se encaixa perfeitamente ao que disse: não exagera, nem na gagueira, que já "derrubou" outros atores com a maldita estereotipação.
5. Sem fazer aqui enormes análises, como já fiz com outros filmes, devo apenas detacar que "O Discurso do Rei" também tem a sua pedagogia do sofrimento. Primeiro porque o sofrimento do personagem é só dele, sendo ou não um rei. Interessa apenas à ele e só ele pode sair disso. O sofrimento é único, cada um sente e resolve como pode e não há comparações no campo existencial. O que é uma boa estocada contra a moral sentimentalista que enfrentamos últimamente e que insiste teimosamente em comparar o sofrimento de alguém miserável (quanto mais agonizante e moribundo melhor) com o "nosso pequeno sofrimento". Tal comparação prega que temos que nos sentir felizes porque outros sofrem mais do que nós. Uma espécie de "Poliana" as avessas. Segundo porque o sofrimento do personagem permite que ele descubra que tem uma voz, e que ela não depende de títulos e status. Um rei também sofre e não depende de seu título ou posição para achar sua voz, tanto quanto um "médico" não precisa de um diploma e nem de uma autorização para, em meio ao sofrimento, achar um caminho, uma voz para si a para os outros. Rei e médico vivem o mito de Quíron:"curam", mas não podem ser "curados". O que não importa, pois, ao curarem, saem transformados.
Enfim, se o Oscar não foi lá essas coisas, pelo menos "O Discurso do Rei" pode ter a vocação de nos fazer pensar o quanto Hollywood foi tomada por um cinema de cartaz, um cinema redundante.