sexta-feira, 23 de maio de 2008

Sinais

Sinais
Título Original: Signs
Gênero: Suspense
Tempo de Duração: 107 minutos
Ano de Lançamento (EUA): 2002
Estúdio: Touchstone Pictures / Blinding Edge Pictures
Distribuição: Buena Vista International
Direção: M. Night Shyamalan
Roteiro: M. Night Shyamalan
Produção: Frank Marshall, M. Night Shyamalan e Sam Mercer
Música: James Newton Howard
Fotografia: Tak Fujimoto
Efeitos Especiais: Industrial Light & Magic
Elenco
Mel Gibson (Graham Hess)
Joaquin Phoenix (Merrill Hess)
Rory Culkin (Morgan Hess)
Abigail Breslin (Bo Hess)
Cherry Jones (Oficial Paski)
M. Night Shyamalan (Ray Reddy)
Patricia Kalember (Collen Hess)
Ted Sutton (SFC Cunningham)


Existe algo mais antigo na propaganda do que a "mentira"? Foi pensando nisso que saí do cinema depois de assistir ao espetáculo distribuído pela "Buena Vista International". Nada mais mentirosa do que a propaganda que antecedeu à estréia do filme. Venderam uma espécie de reprise do Independence Day e o que ofereceram foi na verdade uma espécie de A guerra dos mundos.
Mas está enganado quem pensa que eu estou reclamando. Ao contrário disso, apesar de não ter minhas expectativas supridas, a surpresa foi agradabilíssima. Em lugar de explosões ensurdecedoras e uma história fraca, me deparei com uma história muito bem contada e personagens que definitivamente deram o nó final à trama.
Pensando bem, só encontramos narrativas assim tão bem desveladas na literatura, ou seja, naquela arte que é base para as narrativas representadas pelas linguagens modernas, como a do cinema, por exemplo. Nesse sentido, o cinema deve muito à literatura algumas de suas estratégias de linguagem como o enquadramento, o close, o flash back etc; mas é incrível como isso também vale para as boas histórias baseadas em personagens que captam nossas angústias. Como bem disse Henry James: "o que é um personagem senão a determinação do incidente? O que é um incidente senão a ilustração do personagem?" Diante de um cinema que substituiu boas histórias e boas personagens por muitos músculos e efeitos especiais, a frase de James é assustadoramente atual.
Mas o que um escritor norte-americano, nascido em meados do século XIX, tem a ver com um filme do início do século XXI? Henry James obviamente jamais imaginou tal coisa, isto é, que ao escrever sobre a arte da ficção no romance, ela igualmente serviria para a linguagem do cinema. Tendo nascido em 1843 e falecido em 1916, provavelmente não teve muito tempo de pensar nisso. Ainda que o cinema tenha dado os seus primeiros passos no início do século XX, não acredito que James se interessasse tanto assim pelo tema.
Por outro lado – curiosamente as melhores histórias em Hollywood são, em sua maioria, filmadas por diretores estrangeiros – acho que Shyamalan sabia da importância de uma boa narrativa baseada em boas personagens. Quer dizer, talvez ele nunca tenha lido uma única linha de James, mas sabe o que é contar uma história. Melhor dizendo, seguindo a tradição do próprio Henry James, sabe o que é contar uma "estória". Até porque não é a primeira vez que esse diretor faz isso (veja Sexto Sentido e Corpo Fechado).
"Tropecei" em James quando estava pesquisando sobre o conceito de ficção na literatura. Caiu em minhas mãos por um acaso (nome que dou à minha ignorância), uma de suas principais obras teóricas, isto é, A arte da ficção, que ele escreveu em 1884. Nela encontrei a enumeração do prolífero trabalho do escritor. Mas uma obra em especial chamou-me a atenção, e que se denomina A volta do parafuso, um romance curto de ficção fantástica, devedor dos melhores contos de terror que já tive a oportunidade de ler.
Li a primeira parte de A volta do parafuso em uma edição já "antiga" dos anos 70 (estranhamente traduzida como "A outra volta do parafuso"). Foi o suficiente para dar água na boca e sentir-me culpado por não ter ainda achado tempo para ler o restante. Linguagem deliciosa, refinada, mesmo em português. James encantou-me com sua capacidade de transportar o leitor para o tempo de sua narrativa. Ele tem um estilo desconcertante, com frases intercaladas, muitas metáforas e, dando ao leitor a impressão de que por trás das descrições que faz, um fio narrativo carrega a nossa imaginação até o ponto onde ele quer nos levar. A sensação é que a maneira refinada com que escreve é para conduzir o leitor até ao limite da realidade com a ficção. Aliás, cara teoria literária à James.
Quando se assiste aos filmes de Shyamalan, a sensação é semelhante. Tanto faz ver qualquer um de seus mais famosos filmes, a narração é transportada para a tela num enredo que prende a atenção mais pela curiosidade de sabermos o final da história do que pelos 10 minutos de ação que a maioria dos filmes usam para enredar a atenção do assistente. Cada personagem prepara o telespectador para suas futuras ações. Cada detalhe se junta aos personagens para que o desfecho seja triunfante. Por isso, em se tratando de Shyamalan, ele não espera muito para mostrar os primeiros "sinais" da resolução da trama. Seja em Sexto Sentido, Corpo Fechado ou Sinais, Shyamalan gosta dos finais grandiosos, das histórias que terminam de forma surpreendente. Assim como James, o diretor indiano nos leva ao limite da realidade com a ficção, de modo que muitas vezes nos sentimos uma das suas personagens.
Em Sinais, a história se passa no condado de Bucks, Pensilvânia, onde vivem, numa fazenda, junto a uma plantação de milho, Graham Hess (Mel Gibson), com seus dois filhos, Morgan (Rory Culkin) e Bo (Abigail Breslin), além de Merrill (Joaquin Phoenix), seu irmão. Graham perde a fé e evita ser chamado de padre, pois sua mulher, Colleen (Patricia Kalember), foi morta ao ser atropelada por Ray Reddy (o próprio M. Night Shyamalan). Repentinamente a família descobre misteriosos e gigantescos círculos que surgem em sua plantação, confirmados pela televisão como sendo feitos por extraterrestres.
O filme começa mostrando um porta-retratos com a família unida e feliz, em nada lembrando a catástrofe que logo se abaterá sobre eles. Mais ou menos como no filme Retratos de uma obsessão, estrelado por Robin Williams, a fotografia revela apenas o que é agradável, sem se dar conta das grandes e pequenas desventuras que todo santo ser humano sofre todo dia. Alguém já viu algum álbum de fotografias de família que não tenha apenas momentos felizes, festas, viagens e sorrisos? Logo, o início marca não só o que espera aquela família no continuar da história, como deixa o primeiro vestígio, o primeiro sinal de ser ela o centro da narrativa de Shyamalan.
Da mesma forma que a mensagem ambígua do porta-retratos, Morgan, o filho de Graham, quando vê um sinal deixado no milharal, diz: "Acho que foi coisa de Deus". Pronto, aí está o inconfundível carimbo de cunho religioso de Shyamalan: de cara ele chama a atenção de que o filme não é tanto sobre a invasão de ETs, mas sobre os "sinais da vida", sobre coisas que não entendemos exatamente porque estão lá, mas que de algum modo servirão para alguma coisa, de alguma forma sinalizarão um propósito.
Essa marca de Shyamalan fez-me lembrar de dois escritores. O primeiro nascido na Alemanha, Herman Hesse, que teve um contato muito próximo com a terra de Shyamalan, a Índia, e que, por causa disso, deixou em seus livros o peso da filosofia oriental. Na literatura, chamam os romances escritos por Hesse de romances de formação do espírito. Nesse sentido, Shyamalan também fez um filme de formação do espírito, que fala à alma mais do que à adrenalina.
O segundo escritor é João, denominado de “o apóstolo amado de Jesus”. Supondo que seja ele mesmo o autor do quarto evangelho, fica clara em sua teologia a idéia de que os milagres de Jesus são como "sinais", isto é, não como milagres em si, apenas para socorrer alguém, mas sinais de que o Cristo veio mostrando poder contra as forças malignas. Tudo de acordo com a estrutura mítica helenista que revela a existência de três regiões que compõe a luta do bem contra o mal: o céu (acima), a terra (no meio), e o inferno (em baixo). Nesse caso, a terra é o palco de visitação das forças celestiais e infernais. O Jesus do evangelho joanino faz sinais indicando que as forças celestiais estão presentes e em ação contra as forças infernais; apontam sempre para algo mais além. Exemplo: Jesus multiplica os pães e peixes e logo em seguida prega que ele é "o pão da vida". O sinal da multiplicação apontou, dessa forma, para o Cristo que alimenta.
Tendo esses dois escritores em mente, podemos dizer que Shyamalan dá conta de nos avisar, logo no começo do filme, suas intenções. É por isso que não devemos ficar decepcionados, se em nenhum momento as imagens mostram grandes cenários e locações. Tudo se passa no condado e, o que acontece ao redor do mundo, só pode ser visto pela televisão. Genial para quem não quer falar sobre ETs, mas sobre sinais.
Mas os sinais que nos devem chamar a atenção e que darão o nó final à trama (também aparecem no início do filme), são os "defeitos" ou "imperfeições" presentes nas biografias das personagens. Cada uma delas tem um problema, uma limitação. Bo, a filha de Graham, acha que toda água que lhe servem está contaminada, espalhando, por causa disso, copos d´água por toda a casa. Morgan, o filho de Graham, tem crises de asma, principalmente, quando sob tensão. Merrill, o irmão de Graham, é recordista de batidas fortes com o taco de baseball (strike out), isolando suas bolas para fora do estádio. O problema é que isso lhe custou a permanência em qualquer time. Afinal quem iria querer um jogador que não sabe bater na bola de outro jeito? Por último, Graham é um sacerdote que perde o que mantinha a família segura: a fé.
Nas últimas palavras de Colleen (esposa de Graham), antes de morrer, é quando os "defeitos", ou melhor, os sinais serão unidos para a salvação da família contra as forças malignas dos ETs. Apenas no final Graham entende as derradeiras palavras da esposa: "veja; pode bater". São palavras sinalizadoras, palavras que impulsionam Graham a "ver" a situação, a perceber que o momento de maior crise é também o momento de maior superação. "Bater" significa a potência do golpe que Merrill deveria desferir no oponente fazendo-o cair. Logo em seguida, entra o "defeito" de Bo em ação, pois sobre o ET cai um dos copos de água, elemento mortal para sua adaptação ambiental.
O sinal mais forte, aquele para o qual todo o filme se converge, acha-se no paradoxo de um religioso que perdeu a fé. É aqui que Shyamalan se sente mais à vontade para filosofar, utilizando a boca de Graham para tal: "As pessoas se dividem em dois grupos, quando passam por algo de sorte. O grupo número 1 vê como mais do que sorte, mais do que coincidência. Eles vêem como um sinal, evidência de que alguém está cuidando deles. O grupo número 2, vê como pura sorte, um acaso feliz." "Você deve se perguntar que tipo de pessoa você é. Você é do tipo que quando vê sinais, vê milagres? Ou você acredita que as pessoas dão sorte? Ou será que coincidências não existem?"
Graham precisa dar respostas a essas questões, quando sua fé é testada no momento em que seu filho tem uma crise de asma, exatamente quando um ET invade a casa e borrifa um veneno fatal em suas narinas. O padre, segurando o filho no colo, pela primeira vez, depois de anos, reza. Como que resmungando um mantra, repete para si mesmo que o veneno não pode ter infectado seu filho, pois acredita que finalmente a crise de asma tinha um propósito: fechar seus pulmões contra a morte.
De certa forma, o filme é um paradoxo que vai de encontro à vida moderna, que bate de frente com ela: como limitações, imperfeições podem contribuir para a felicidade? Ou, se pudermos ir mais fundo, o filme coloca em xeque a mania burguesa e moderna: de que, para ser feliz, tudo deve estar em ordem. Contra a visão linear e cartesiana da vida, expressa principalmente no modo de vida ocidental, o filme revela que nem só de triunfos vive o homem. Contra a "sabedoria" (ciência?) que se desenvolveu a partir da concepção do evolucionismo e da escavação por patologias, a história de Shyamalan nos faz pensar. Aí não há Freud que resista.
Não, os grandes sinais não estão nos grandes eventos, nas grandes mudanças históricas, nos livros de ciência que, conforme Merrill, deveriam ser mudados. Nem tão pouco nos triunfalismos que alimentam uma sociedade viciada em sucesso, mas, estão nos acontecimentos simples da vida, nas crises do dia-a-dia, nos defeitos e imperfeições pessoais. É o lema existencial: "antes de existir o mundo, eu existo".
06/2003

Um comentário:

Gilvan Albuquerque disse...

Muito legal seu comentário! Você conseguiu elucidar a trama e fazer comentários baseados em sua visão-de-mundo, pena, você não postar com maior frequencia.


Gil