sábado, 24 de maio de 2008

Como fazer uma resenha

Muitos de meus alunos de Metodologia da Pesquisa Científica me perguntam porque alguns professores lhes pedem uma resenha crítica (sic). Outros exigem um resumo crítico, quando querem dizer uma resenha. Bem, suspeito que não seja só um problema de metodologia, senão um problema de instituição. É que muitas instituições de ensino parecem ter algum trauma com as normas da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas), que normaliza ou dispõe as regras para todo trabalho de cunho científico. Compreendo que as intituições educacionais queiram uniformizar seus trabalhos, mas por que não seguir uma norma que já existe em vez de inventar uma que o aluno terá que procurar? E o aluno que estudou ou estuda em mais de uma intituição? Aliás, nas normas da ABNT não existe uma "resenha crítica" com o sentido que alguns professores querem dar, ou seja, um resumo com a crítica do aluno.
Resenha não é uma tarefa das mais fáceis e, geralmente, são encomendadas para serem feitas por especialistas da área da obra que deve ser resenhada. Não são leigos e muito menos simples curiosos. São pesquisadores, mestres, doutores e gente que há muito tempo estuda e lê sobre aquele determinado assunto. Claro que a encomenda pode ser pedida para qualquer um. Mas, isso já não é um problema de metodologia e sim, novamente, de intituição, invariavelmente pouco profissional.

Logo, esse não é um trabalho que deveria ser exigido de um aluno de graduação, pois ainda não possui habilidades técnicas para tal tarefa. A não ser se o aluno for muito bem informado e receber oficinas junto aos seus professores de como fazer uma resenha, isto é, um problema de método. Mesmo assim, não se pode cobrar muito de alunos que apenas agora estão tendo o primeiro contato com os métodos para uma boa redação.

De qualquer modo, se a insistência continua, me proponho a colaborar com algumas dicas.


Toda resenha é composta por 3 partes:

Parte 1
O cabeçalho deve conter basicamente o nome do autor, o título da obra, local, editora, data, edição (só a partir da 2ª) e o número total de páginas.


Ex. Rosino Gibellini. A teologia do século XX. São Paulo: Loyola, 1998, 560 pág.


Você deve descrever as informações biográficas (vida) e bibliográficas (outras obras do mesmo autor) essenciais que puder obter sobre o autor da obra que está sendo analisada.
Muitas vezes você pode obter essas informações na contra-capa do livro ou nas orelhas do livro.
Outra fonte pode ser achada na apresentação do livro, ou, às vezes, na introdução.
Procure também na internet utilizando uma boa ferramenta de pesquisas (Google por ex.).

Cristina Rocha é uma das mais engajadas e qualificadas pesquisadoras do Budismo no Brasil e seu livro a respeito do Zen em seu país natal, baseado em sua tese de doutorado concluída em 2003 pela University of Western Sydney, Austrália, é um sumário dos resultados de seus vigorosos estudos de campo sobre o tema.


Parte 2
Nessa parte você deve mostrar ao leitor como a obra foi estruturada e, principalmente, apontar em poucas palavras, qual é a tese do autor - seu argumento ou afirmação central (você pode usar as palavras do próprio autor entre aspas).


De acordo com a introdução, o corpo principal da publicação é composto de cinco capítulos que representam “fundamentalmente um estudo sobre quanto o discurso da modernidade influenciou historicamente um segmento da sociedade brasileira (...) a adotar o Zen como um símbolo do ‘moderno’” (p.3). Os dois primeiros capítulos estabelecem os aspectos constitutivos da emergência e difusão do Budismo japonês no Brasil. Os capítulos três e quatro dissertam sobre as manifestações, as circunstâncias sócio-históricas e religiosas nacionais, assim como o contexto global do Budismo em geral e, em particular, do Zen no Brasil. Observando que “a adoção do Budismo em países católicos (...) deve ser diferenciada de sua adoção nas nações protestantes” (p.7), a autora, no último capítulo, coloca a questão central da obra, qual seja: como o Brasil foi “crioulizado” e como as conseqüências disso refletem as condições específicas do assim chamado “maior país católico do mundo”.


Em seguida, deve fazer um resumo dos capítulos da obra.
Proceda apontando em cada capítulo qual é o argumento principal e faça um pequeno resumo (pequeno mesmo).
Em cada capítulo você pode destacar de algumas páginas da obra aquilo que mais lhe chamou atenção ou que confirma ou contradiz o argumento central.


O primeiro capítulo traz um cenário dos pré-requisitos formais e políticos para o processo de imigração japonesa para o Brasil (assim como dessa imigração em si), incluindo as circunstâncias sócio-culturais para o estabelecimento de instituições religiosas nipônicas especialmente após a Segunda Guerra Mundial - momento de reação à decisão da maioria das famílias de não retornar a seu país de origem. Focalizando ainda o “emissor” como um elemento-chave para a transplantação e adoção do Zen no Brasil, a autora também relembra seus leitores da importância da Escola de Quioto para a compreensão recente e predominante do Zen como uma prática religiosa.

O capítulo três trata das condições para a aceitação do Zen em um país normalmente estereotipado como a maior nação católica do planeta e, ao mesmo tempo, conhecido por suas origens multi-étnicas e pela predisposição ao sincretismo. Tomando por base o resultado do censo de 2000, a autora conclui que, ao se levar “esse complexo, plural e permeável universo” em consideração, “não é surpreendente que o Zen Budismo tenha encontrado seu lugar no país”. (p.95) Para Cristina Rocha, um importante fator nesse processo é o constante declínio do Catolicismo oficial nas últimas décadas.

Baseado em argumentos de teóricos como Le Goff, Bourdieu e Featherstone, o quarto capítulo focaliza a imagem pública do Budismo criada por filmes, manchetes de revistas e jornais e seus efeitos ambíguos sobre o público brasileiro. Incontestavelmente, a freqüência com que o Budismo foi mencionado na imprensa ampliou o conhecimento comum sobre a religião que é geralmente associada “a valores como a não-violência, paz interior, compaixão, igualdade, justiça, amor, felicidade e harmonia” e considerada um “antídoto para o stress e a violência dos centros urbanos brasileiros”. (p.152)

Parte 3
Nessa parte você deve fazer a crítica da obra.
Aponte os pontos fortes e fracos nos argumentos desenvolvidos nos capítulos.
Verifique se o argumento central foi devidamente confirmado pelos capítulos.
Se ocorrer, indique falha de impressão, edição, paginação, tradução etc.
Compare a obra com outras do mesmo autor e com obras de autores diferentes que trataram do mesmo tema.
Aponte diferenças e semelhanças entre as obras.
Mostre a contribuição acadêmica dessa obra.
Se necessário, mostre as contribuições práticas dessa obra.
Jamais faça ataques pessoais ao autor.
Não seja simplório: livro bom, ruim, chato etc, não desqualificam uma obra.
Exemplo abaixo:

Um aspecto crítico secundário diz respeito à ambigüidade do título. As informações apresentadas ao longo do livro pela autora, incluindo muitos exemplos, transcendem o foco explicitamente indicado, uma vez que se referem ao Budismo brasileiro em geral ou a outros segmentos do Budismo japonês, especialmente o Budismo Shin (conforme, por exemplo, p. 164 e p. 176). Essa inconsistência pode confundir um público particularmente interessado no Zen-Budismo; pode, porém, se tornar uma vantagem para leitores envolvidos no estudo do Budismo no Ocidente em todas as suas facetas.

O mais importante para uma avaliação do livro são os seguintes três aspectos:
Inicialmente, a autora reiteradamente confirma que existiu um “Boom Zen” no Brasil. Enquanto é óbvio que o Budismo, nele incluído o Zen, ganhou alto grau de visibilidade junto à sociedade brasileira e goza de uma imagem pública consideravelmente positiva, há uma dramática diferença entre essa (pode-se dizer assim) “popularidade superficial” e a relevância estatística dos brasileiros que se declararam budistas.
Um segundo aspecto crítico guarda relação com o leitmotif do livro, de que a adoção do Zen no Brasil decorre de uma “busca pela modernidade cosmopolita”. Isso faz sentido, mas o que se perde é uma operacionalização do conceito de “modernidade” no contexto dado e a explicação sobre como o Zen, em particular (ou melhor, o Zen “crioulizado” segundo as condições da cultura brasileira), supre essa alegada busca.

Seria a hipótese da autora plenamente compatível com uma religião freqüentemente caracterizada como “anti-intelectual” – e, como tal, valorizada por integrantes da contracultura em oposição aos cânones da sociedade “moderna”? Em que grau a retórica da contracultura foi mantida pelos zen-budistas brasileiros não-afiliados ao pequeno círculo de intelectuais que freqüentavam o templo Busshinji nos final dos anos de 1950 e na década seguinte, e que “consideravam o seu conhecimento do Zen não como uma forma de resistência cultural, mas fundamentalmente como uma ferramenta que lhes permitia demonstrar seu papel na sociedade brasileira como tradutores e intérpretes de movimentos internacionais de vanguarda, assim como sua posição de prestígio como cosmopolitas?”. (p. 73)

Por fim, mas não menos importante, a meta programática de analisar a adoção do Zen em conformidade com a categoria “crioulização” não é satisfatoriamente alcançada. As (não mais do que) cinco páginas da conclusão (pp.193-198), nas quais poderíamos encontrar um resultado final da relevante discussão, são insuficientes para esclarecer o tema.

Independente das críticas acima, “Zen in Brazil” é uma obra importante, esclarecedora e estimulante sobre um assunto muito pouco conhecido. Sua leitura é recomendada para todos os interessados no Budismo no Ocidente e, em especial, para todo pesquisador brasileiros engajado no estudo da dinâmica religiosa de seu próprio país.

3 comentários:

Fábio disse...

Ótima explicação

Abraços

Gilvan Albuquerque disse...

Muito bom!!

Cleber E. Morellato disse...

Esse é meu professor!!!!!kkkkkkk