quarta-feira, 1 de julho de 2009

O pavilhão do vazio


Poesia – José Lezama Lima

O pavilhão do vazio

Vou com o parafuso
perguntando na parede,
Um som sem cor
uma cor tapada com um manto.
Mas vacilo e momentaneamente
cego, apenas posso sentir-me.
De pronto, recordo,
com as unhas vou abrindo
o tokonoma na parede.
Necessito um pequeno vazio,
ali vou me recordando
para reaparecer de novo,
tocar-me e pôr a frente em seu lugar.
Um pequeno vazio na parede.

Estou em um café
multiplicador do tédio,
o insistente daiquirí
derrama com uma cara invisível
para morrer, para a primavera.
Recorro com as mãos
a solapa que me parece fria
Não espero nadar
e insisto em que alguém tem que chegar.
De pronto, com a unha
traço um pequeno buraco na mesa.
Logo tenho o tokomona, o vazio,
a companhia insuperável,
a conversação em uma esquina de Alexandria.
Estou com ele numa ronda
de patinadores pelo Prado.
Era um menino que respirava
todo o orvalho tenaz do céu,
já com o vazio, como um gato
que nos rodeia todo o corpo,
com um silêncio cheio de luzes.

Estar cercado do que nos rodeia
e cercado de nosso corpo,
a idéia fixa de que nossa alma
e sua envoltura cabem
em um pequeno vazio na parede
ou num papel de seda raspado com a unha.
Vou-me reduzindo,
sou um ponto que desaparece e volta
e cabe inteiro no tokonoma.
Faço-me invisível
e no reverso recobro meu corpo
nadando em uma praia,
rodeado de bacharéis com estandartes de neve,
de matemáticos e de jogadores de bola
descrevendo um sorvete de mamífero.
O vazio é mais pequeno que um naipe
e pode ser grande como o céu,
mas podemos fazê-lo com nossa unha
na borda de uma chícara de café
ou no céu que cai pelo nosso ombro.

O princípio se une com o tokonoma,
No vazio se pode esconder um canguru
Sem perder seu saltitante júbilo.
A aparição de uma cova
é misteriosa e vai desenrolando sua terrível.
Esconder-se ali é tremer,
Os cornos dos caçadores ressoam
No bosque congelado
Mas o vazio é calmo,
podemos atraí-lo com uma linha
e inaugurá-lo na insignificância.
Arranho na parede com a unha,
a cal vai caindo
como se fosse um pedaço da concha
da tartaruga celeste.
A aridez no vazio
É o primeiro e último caminho?
Durmo, no tokonoma
evaporo o outro que segue caminhando.

1º de Abril de 1976

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